quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Memórias

O episódio de ontem me fez relembrar algumas outras passagens que considero muito importante na minha vida. Uma delas, retrata uma situação vivida na cidade de Manaus-AM, no ano de 1974, quando eu precisava chegar à Campinas-SP pegando carona num avião da Força Aérea Brasileira – FAB, que passo a relatar com detalhes.

Na época eu era aluno do Colégio Militar de Manaus - CMM que estava sendo admitido na Escola Preparatória de Cadetes do Exército – EsPCex, localizada na cidade paulista de Campinas, para onde eu precisava me deslocar. O meio de transporte era em aviões comerciais, com custo muito grande para os meus pais ou pegando carona em um dos aviões da FAB. Para esta segunda opção era preciso enfrentar uma verdadeira maratona e perseverar muito. Na mesma situação encontravam-se outros dois colegas do CMM – o Marcos e outro que não lembro o nome... O Marcos era o mais velho na idade e no tempo de escola, portanto, achava-se no direito de “comandar”... há um dito no meio militar que diz “antiguidade é posto”. Então, estávamos nas mãos do Marcos que conduzia a maratona dessa viagem!

Depois de três tentativas seguidas, e em vão, para embarcar... ficamos sabendo que estava naquela noite iria pernoitar um avião militar procedente do Quito, Equador que seguiria no dia seguinte para a cidade do Rio de Janeiro. Destino bem próximo ao nosso e que daria certo, caso conseguíssemos ser relacionados naquele voo. E partimos para a luta, em busca dessa oportunidade. Localizamos o hotel onde estava hospedado o comandante do avião e parte da tripulação. Coube ao Marcos falar com ele e pedir pelas nossas inclusões na relação dos passageiros que embarcariam em Manaus. Nenhuma certeza nos fora dado, apenas a recomendação para estarmos no aeroporto na manhã seguinte. Saimos de lá com esperança, mas com algumas ressalvas do Marcos... ele dizia assim, “se conseguir uma vaga seria a dele” e duas, seria ele e o outro, somente diante da possibilidade de três vagas eu estaria sendo contemplado... eu era o mais novo, na idade, e no tempo de Colégio. Aceitei as condições estabelecidas e na madrugada seguinte, cerca de 4 horas da matina, estávamos nós no saguão do aeroporto.

Deixaram-me tomando conta da bagagem e partiram, os dois, em busca de concretizar a inclusão do grupo ou deles no rol dos passageiros. Nesse ínterim fiquei sentado, impotente, apenas aguardando sentado junto aos inúmeros presentes.

Manaus por ser, naquela época, uma Zona Franca, tinha o tráfego de mercadorias importadas a preços muito baixos e regras próprias que deviam ser seguidas por todos os passageiros... tinha uma cota que deveria ser observada, ultrapassada esta cota, o produto ficava retido na alfândega. Era preciso despachar a bagagem com antecedência, pois precisava ser vistoriada, a fiscalização alfandegária abria todas as malas, sacolas, etc. Era preciso inclusive uma declaração prévia do que estava sendo transportado, e passava pela conferência das autoridades locais no momento do embarque.

Quando encontrava-me no saguão, aguardando a volta dos colegas, fui abordado por um cidadão que acompanhava uma moça que também estava pretendendo embarcar no mesmo voo, com destino ao Rio de Janeiro. Ela era filha de um figurão do exército. E estava levando produtos que extrapolava o valor da cota. Como eu nada levava na minha bagagem, além das minhas roupas, não me opus quando fui perguntado se ela podia usar a minha cota... seria um favor que estaria fazendo! E combinamos tudo então, passaríamos juntos pela fiscalização e logo após ela tomaria posse das suas coisas novamente.

Até aqui tudo bem, nada demais nesse meu relato. Ai vem a pergunta: o que tem isso com o ocorrido ontem? Continue lendo e tire as suas conclusões.

Para adiantar o processo de embarque, foi resolvido que todos aqueles que estava relacionados e os pretensos passageiros deveriam passar pela alfândega, liberar a bagagem e aguardar a posição final da relação dos passageiros. Assim, nos encaminhamos, eu, os colegas, a moça e o cidadão que estaria apenas auxiliando a ela naquele embarque. Ele não embarcaria. Quando chegou a minha vez, foi solicitada a minha identidade... entreguei a minha carteira de aluno do CMM. Ali estava a data do meu nascimento, menor de idade, precisava de autorização de uma autoridade... e agora? O que fazer? Lembra do cidadão, acompanhante da moça – filha do figurão do exército? Ele viu a situação na qual eu me encontrava, sabia do meu destino, da finalidade da minha viagem e não hesitou em perguntar: posso autorizar o embarque dele? Ao perguntar isso, foi mostrando os seus documentos de identificação... o cara era juiz! Não desses que apitam em campo de futebol, mas dos que usam toga mesmo! Claro que passei por aquela primeira dificuldade. Percebeu a semelhança?! E foi apenas o começo...

Na sequência, passada por aquilo tudo, estava cada um por si agora... Eu continuei guardando as malas, as minhas e as dos colegas. Aquela moça julgava que a sua ida também estava garantida... tinha pai influente e certamente isso seria levado em conta. Vi quando várias vezes as malas dela eram levadas para o avião... e trazidas de volta para a sua indignação. Aquilo em nada me abalava, naquele momento eu não pensava em nada... apenas em embarcar naquele avião! E foi neste estado, que fiquei encostado numa coluna, numa espécie de corredor, vendo o avião... as pessoas se dirigindo para o embarque... e eu ali, sem confirmação alguma – nem sim, nem não! Foi quando passava por mim o comandante do avião, não sei porque, ele parou na minha frente e perguntou onde eu iria... Assim mesmo, do nada aquela pergunta. Acho que dei a resposta certa ao dizer: pretendo ir para o Rio de Janeiro naquele avião! Quando então soou outra pergunta por parte dele: e o que está faltando? – Ser relacionado, foi a minha última resposta. O que ele disse depois disso?!

O comandante então chamou um dos seus auxiliares e mandou que eu fosse incluído na relação dos passageiros. Eu estava embarcado, pensei! Graças a Deus!
E os outros? Nada, nem o Marcos, nem o segundo colega, e nem a filha do general! Todos ficaram em Manaus, aguardando por uma nova oportunidade. O voo estava lotado... e estava mesmo, fui acomodado numa cadeira retrátil, nada confortável, localizada no corredor da aeronave – um velho Boeing, que deve estar aposentado por idade. Aquilo tudo foi para mim uma grande lição de vida, não podemos ser arrogantes, nem pretender obter as coisas excluindo os demais... se tem que ser nosso, será sem tirar de ninguém.

Sempre pensei fazendo algumas perguntas básicas: Por que aquele juiz ali, desde a madrugada? Por que aquele comandante parou e falou comigo? Por que a moça não viajou? Nunca me perguntei: por que eu? Como também não faço esta pergunta agora nesse processo de acometimento do câncer. Tem perguntas que não precisam ser feitas. Fique com Deus!

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