quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A Folia dos remédios

Era uma tarde de domingo de verão, finalzinho mesmo, a casa estava vazia, seus donos tinham saído para refrescarem-se na beira-mar, para receber a brisa marítima. Com certeza só estariam de retorno tarde da noite.

A lua cheia, com seus reflexos no mar, motivavam ainda as pessoas a permanecerem na praia admirando toda aquela formosura da natureza.

De repente, uma das portas do armário da cozinha abriu. Empurrada de dentro pra fora, libertando, inicialmente, quem a forçou. Parecia sufocado, estava dentro de um tubo plástico todo enrolado em papel alumínio e, ainda, dentro de uma caixa de papelão. Era o REDOXON, de temperamento forte como todos os ácidos, que rolou para fora daquele armário repleto de outras caixas de remédio e de cartelas de comprimidos. Aliviado, saiu chamando pela DIPIRONA. Acho que os dois mantinham um romance desde a primeira dose que foram juntos.

Não demorou, saiu o OMCILON-A para prevenção dos dois, caso viesse a rolar algum beijo, coisa NATUREBE em qualquer romance.

A DIMETICONA, solteirona de longa data não achou nada engraçado e tratou de ficar num canto revendo as suas indicações e os seus efeitos. Não quis acordo quando chegou o OMEPRAZOL, todo pomposo, convidando-a para jantar fora, garantia que ele a protegeria de qualquer incômodo que viesse a sentir. Na negativa inicial, não desistiu e clamou ajuda ao GASTRIUM para fazer-lhes companhia, dando assim reforço ao convite.

Nada convencia a madame a sair para jantar, nem mesmo a chegada do PANTOPRAZOL, primo do convidante. Ela queria mesmo era ficar quieta, aproveitar a liberdade, de estar fora daquele armário.

Feliz, a TAMARINE percebeu que os seus olhos estavam lacrimejando muito e de pronto chegou ao seu lado o LACRIFILM todo solícito e pronto a aliviar qualquer incômodo naqueles olhinhos escuros.

Alguém teve a idéia de colocar um MP3, com flash back dos anos 70, para recordar os velhos tempos. E a festa começou a rolar.

A FLAVONID aceitou o convite para dançar com o BUSCOPAN, que já se tocavam sempre
quando movimentavam as caixas naquele armário escuro, acho que era amor reprimido. O clima entre eles foi tão intenso que rolou de tudo, foi preciso a ajuda do XYLOPROCT e do XILODASE para aliviar as conseqüências.

Enjoado de estar sozinho o VONAU, chamou o seu parceiro, PLASIL para dar uma geral em todos, assim se certificariam de que nenhuma sujeira ficaria pela casa, evitando contra-tempo quando as pessoas retornasse do passeio.

Quando chegaram perto do NORIPURUM, este achando-se o ferroso quis armar barraco, chamando todos para um saírem daí, mas como não tinha chefe nem comandante geral o movimento não poderia ser classificado de MOTILIUM.

Foi uma confusão geral, parecia mais uma indigestão, vieram, então, para o deixa disso, o DISGEPRID, primo da BROMOPRIDA que dançava coladinho com o FELDANAX.

Na festa rolou muito romance e sobrou para o LABEL acabar com os bichinhos de boca. A coisa tava esquentando mesmo!

Era preciso muita calma nessa hora e do nada apareceu, oponentemente, o LORAX para por fim aquela folia toda.

E todos voltaram, sonolentos, para cada uma das suas caixas, algumas cartelas perderam-se pelo caminho de volta. Mas, no final estavam todos de volta ao armário, prontos para serem usados, alguns, naquela mesma noite, para o contentamento dos donos da casa que acabavam de chegar.

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Nota do Autor:
Os nomes em negrito correspondem aos remédios que estão no meu armário, alguns foram usados antes da cirurgia, outros no pós-operatório e outros, agora no processo da quimioterapia, sempre vou conhecendo um diferente, a cada sintoma que me aparece, após o encerramento de cada ciclo de cinco dias.

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